Mark detestava aquela voz, mas aquele tom irritante e repetitivo era um fator que acabava o ajudando a acordar mais depressa, por isso continuava pondo seu celular para despertar. Que dia da semana era mesmo? Poxa, estava realmente perdido no tempo... Tentou recordar das aulas que tivera no dia anterior. Não conseguiu. Tentou recordar de qualquer coisa que tivesse feito no dia anterior. Não conseguiu.
Cogitou continuar dormindo e não ir ao colégio. A tentação era grande, no entanto, suas faltas já estavam quase estourando e não podia correr o risco de repetir o ano. Se soubesse que dia era, saberia as aulas que teria e poderia fazer alguns cálculos... Não. Levantou depressa. Se ficasse pensando demais, acabaria faltando.
Seu quarto estava mesmo uma bagunça! Qualquer hora teria que dar um jeito nisso, mal conseguia encontrar um par de tênis. De qualquer forma, preferia assim às arrumações de sua mãe, ela guardava suas coisas em lugares que ele nunca conseguia encontrar quando precisava.
Foi ao banheiro lavar o rosto e escovar os dentes, não tomaria banho. Raramente acordava com disposição para tomar banho. Raramente acordava com disposição para qualquer coisa. Achou estranho, havia escovas de dente novas, todas ainda embaladas. Sua escova antiga não estava nas melhores condições, mas geralmente tinha que lembrar umas mil vezes sua mãe de que precisava de outra até ela comprar uma. Aliás, tudo no banheiro estava parecendo novo, talvez uma faxina geral houvesse sido feita.
Desceu as escadas que davam acesso ao andar de baixo e, chegando à cozinha, notou algo ainda mais estranho: o café não estava pronto; seu pai não estava à mesa lendo jornal, reclamando de algo da sessão de política e comemorando algo da sessão de esportes, ou o inverso, e sua mãe não estava andando de um lado para o outro com pratos e xícaras, perguntando se Mark não queria mais um biscoito ou uma fatia de bolo, ou talvez mais um pouco de achocolatado. Onde estava todo mundo?! Eles nunca perdiam a hora. Certamente algo estava errado.
Mark não costumava se impressionar facilmente, sempre achou que as pessoas costumam fazer muito alarde por pouca coisa, no entanto, tinha um pressentimento muito estranho em relação àquela situação. Resolveu beber um copo de refrigerante ou de leite antes tentar descobrir o que estava acontecendo, não que estivesse com sede, apenas para gastar tempo e tomar coragem. Quando abriu a geladeira, uma nova surpresa, estava completamente vazia. Talvez a sua mãe houvesse a limpado na noite anterior e não tivesse recolocado as coisas novamente em seus lugares. Ainda assim, não havia nada sobre o balcão ou sobre a pia, nenhuma embalagem, jarra de suco ou caixa de leite... Abriu os armários. Igualmente vazios.
Não poderia continuar adiando aquilo. Com o coração ligeiramente disparado, dirigiu-se ao quarto de seus pais. A porta estava encostada, abriu-a de uma vez e entrou sem pensar muito. A surpresa foi tamanha que, por um momento, ficou sem ação. Não havia ninguém no quarto. “OK – pensou Mark -, deve ser uma porcaria de um sonho...”. De vez em quando, tinha uns sonhos malucos. Uma vez, sonhara que estava tomando café da manhã com seus pais quando várias vacas malhadas começaram a entrar na cozinha. Como acontece às vezes nos sonhos, encararam o episódio com a maior naturalidade e continuaram tomando café.
Sim, deveria estar tendo mais um sonho absurdo. Resolveu sentar-se à mesa e esperar que o tempo passasse. Mais cedo ou mais tarde, acabaria acordando. Enquanto esperava, sentia uma ansiedade cada vez maior. “E se não for...”. Sequer ousou completar o pensamento. Quanto mais o tempo passava, mais Mark achava que a temida possibilidade de estar acordado poderia ser verdadeira.
De repente, teve uma idéia. Telefonaria para o Derick, poderia perguntar diretamente a ele se as coisas estavam normais ou algo do tipo. Não sabia direito por que, mas travar diálogo com alguém lhe pareceu uma boa alternativa para esclarecer um pouco os fatos. Apesar de haver pensado que, mesmo se fosse um sonho, Derick poderia agir naturalmente e dizer que tudo estava em perfeita ordem.
Tirou o telefone do gancho, no entanto, confirmando a teoria de que a situação sempre pode piorar, estava mudo. A única saída que restava era falar com alguém da vizinhança. Que assunto poderia puxar? Nunca conversava com nenhum vizinho. Pensava numa maneira razoável de dar início a um diálogo quando abriu a porta da frente de sua casa e saiu. Chegou a dar três passos para fora até se dar conta... Seja lá que lugar era aquele, não era sua cidade.