sexta-feira, 2 de abril de 2010

IV

Três dias depois, Mark foi convocado, através de uma ligação telefônica, a uma entrevista no CPTA (Centro de Pesquisas Tecnológicas Avançadas), que ficava do outro lado da cidade. Provavelmente, seria o momento de decidir se ficaria com a vaga do estágio ou não. Era uma pequena viagem. Teria que apanhar três metrôs e andar mais uns dois quilômetros a pé. Mas o salário valia o custo-benefício. Bem, na realidade, se seus pais não estivessem passando por uma crise financeira, nem teria procurado porcaria de estágio nenhum. Ficaria o dia todo praticando com sua guitarra e tentando compor algo que prestasse. Tarefa que não achava das mais fáceis, tendo em vista que não conseguia gostar de suas composições por muito tempo. Como nem sempre se pode fazer aquilo que se quer (alguns diriam: “como geralmente não se pode fazer aquilo que se quer”), Mark se certificou de que a bateria de seu mp3 estava carregada e partiu rumo a tal entrevista, com ânimo de quem torce pra que algum meteoro, de proporções consideráveis, aponte no horizonte.

O prédio era realmente impressionante. Consideravelmente alto e, sem dúvida, havia sido projetado para passar uma idéia de modernidade. A construção era espiralada, como se tentasse imitar filetes de DNA, inteira revestida por aço e vidro reluzentes, que davam a impressão de terem sido recém polidos. Pelo jardim, viam-se dispostas algumas reproduções de modelos atômicos, desde os clássicos até os mais atuais. Mark deu uma rápida olhada neles, sempre achou legais esses sistemas orbitais. Mas estava um pouco cansado e imaginar as conversas que, em breve, teria que travar, inibia um pouco sua curiosidade.

Subiu uma meia dúzia de degraus e um sensor fez com que a porta de vidros abrisse para a sua entrada. Avistou uma secretária olhando compenetrada para a tela de seu computador. Cabelo preso, óculos, uniforme impecável... Puxa, não sabia ao certo por que, mas as secretárias o deprimiam.

- Em que posso ajudá-lo?

- Oi, meu nome é Mark McCarthy. Eu vim pra uma entrevista, ou algo assim.

- Ah, claro. Sr. McCarthy, o Sr. Baker, diretor do Departamento de Pesquisas Subatômicas, está a sua espera. Basta o senhor seguir reto e apanhar o elevador. A sala dele fica no 5º andar. Assim que o senhor desembarcar, já encontrará a secretária, basta dizer quem é o senhor que o diretor logo o atenderá.

- Han... OK, obrigado.

Mark se sentiu completamente perdido. Sempre achou que soava estranho quando o chamavam de “senhor”, mas o que o deixou realmente intrigado foi aquela história de que o diretor estava a sua espera. Concluiu que deveria ser maneira de dizer, vários candidatos deveriam ter sido pré-selecionados pra tal entrevista.

Um sujeito uniformizado o cumprimenta e aperta o botão para o elevador descer. Mark se pergunta se o trabalho dele é só fazer isso o dia todo. Pensa que um trabalho assim até pode ser legal por um tempo, mas que depois você deve morrer de tédio e preferir qualquer coisa a ficar apertando uma porcaria de botão e cumprimentando todo o tipo de idiota forçando um sorriso simpático.

O elevador chega, Mark entra e um outro sujeito o cumprimenta, com o mesmo uniforme e o mesmo sorriso. Quase um Déjà vu. Pergunta-se quanto aqueles sujeitos devem ganhar para exercer um trabalho desses. Pergunta-se se seria capaz de manter um sorriso idiota por um salário razoável. Conclui que dependeria do quanto estivesse precisando da grana. Conclui que tudo depende da necessidade.

- O 5, por favor.

O sujeito aperta o botão e puxa um assunto por conveniência:

- Que tal este clima... Ontem tive que sair de casa encasacado; hoje estou derretendo. Eu te digo, antigamente não era assim. Não mesmo.

- É, deve ser este negócio de aquecimento global...

Mark não acreditou que tinha dito aquilo. Sentiu-se deprimido por ter feito aquele comentário. E, de repente, sentiu raiva daquele sujeito por tê-lo induzido àquele tipo de diálogo idiota.

- Por isso te digo, ainda compro meu rancho e vou viver criando trutas.

O elevador pára, a porta se abre e Mark sente uma indescritível sensação de alívio. Salta fora sem mesmo se despedir. Não queria ser antipático, afinal, era só um pobre coitado que precisava falar de seus planos, que, muito provavelmente, nunca se concretizariam, mas a sensação que tinha era de que morreria asfixiado se ficasse mais um segundo naquele elevador.

Hora de falar com a secretária. Mark estava começando a se arrepender de ter ido ali. Detestava diálogos burocráticos e formais. De uma coisa não tinha dúvidas, desceria pelas escadas.

- Boa tarde, em que posso ajudá-lo?

- Boa tarde. Eu preciso falar com o Sr. Baker, a respeito de uma entrevista. Acho que se trata de um estágio ou algo assim.

- Estágio?! Desculpe, mas o Sr. deve ter se confundido. Para falar sobre estágios o Sr. deve se dirigir ao R. H., no térreo.

- Então, no térreo uma moça me disse que eu deveria vir aqui.

- Hum... estranho... qual o seu nome?

- Mark... Mark McCarthy.

- Ah, claro, Sr. McCarthy. Por favor, sente-se numa dessas poltronas. O Sr. Baker logo o atenderá.

Mark estava se sentindo cada vez mais confuso com aquele tratamento, parecia até que ele era um “figurão”, destes que nem sabe mais quanta grana tem no banco, e que todo mundo fica puxando o saco o tempo todo, trazendo bandejas com bebidas geladas e tira-gostos.

Preferiu nem pensar mais sobre isso. Talvez fosse apenas impressão sua, era melhor esperar para ver o que aconteceria na entrevista. Deu uma breve olhada nas revistas que estavam dispostas sobre a mesa de centro. Alguns periódicos científicos; duas ou três revistas do ramo administrativo; mais umas duas revistas de fofoca sobre a vida dos famosos e uma de moda feminina. Achou aquilo uma porcaria, era frustrante não poder nem ler algo para passar o tempo, mas concluiu que a escolha daquele material não deveria ser à toa. As pessoas que provavelmente se sentavam onde ele estava deveriam ser, em sua maioria, cientistas que procuravam o Sr. Baker para discutir algum tema, projeto ou coisa que o valha; magnatas (querendo bancar os inteligentes, ou altruístas ou sabe-se lá o quê) dispostos a custear algum projeto; e, por fim, as mulheres destes magnatas. Mark sorriu, definitivamente nunca encontraria uma revista sobre rock ou jogos eletrônicos naquele lugar.

- Sr. McCarthy, eu já o anunciei. Queira me acompanhar, por gentileza.

Mark sentiu seu coração disparar, suas mãos estavam frias e suando. Raramente ficava nervoso assim, mas sabia que seus pais precisavam da grana. Seguiu a secretária por um curto corredor impecavelmente branco e esperou que ela abrisse a porta e lhe permitisse a passagem. Teve aquela sensação estranha de que algo importante iria acontecer, de que algo iria mudar em sua vida. O que ele não fazia idéia era que estas mudanças poderiam atingir as vidas de muitas pessoas.

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