- Este, Sr. McCarthy, é Íkaros II... mas não se preocupe, ao contrário de seu antecessor mitológico, que a propósito lhe rendeu o nome, suas asas não são feitas de cera – concluiu Sr. Baker caindo em gargalhada.
Mark sempre se sentiu um pouco constrangido ao ter que rir de tiradas horríveis como esta.
- Mas... o que é isso afinal?
- Em linhas gerais, é um instrumento que permite estudar e manipular partículas subatômicas. É, de longe, o maior investimento do CPTA, em termos de dedicação de recursos financeiros e humanos. Há dois anos e oito meses que está em fase de testes. E os resultados, bem, os resultados superaram nossas expectativas.
- Mas o que ele faz afinal? – perguntou Mark, ainda olhando admirado para a máquina.
Sr. Baker mudou bruscamente o semblante, dissipando o riso e franzindo um pouco o cenho.
- Esta é uma pergunta delicada, Sr. McCarthy, porque, como lhe disse, primamos pelo sigilo, e o senhor ainda não faz parte de nossa equipe. Ao mesmo tempo, é uma pergunta difícil de responder, por toda a complexidade científica que envolve...
- Entendo, não há problema.
Mark preferiu desistir logo de saber o que a máquina fazia do que ficar ouvindo toda aquela baboseira.
- No entanto, bem, no entanto, eu jamais mostraria Íkaros para o senhor se sua contratação não fosse praticamente certa. Posso lhe dizer, em linhas gerais, de maneira extremamente simplista, que uma das metas do projeto é que Ìkaros venha a fazer algo parecido com aquilo que as pessoas chamam de teletransporte. Já existe o “teletransporte quântico”, mas que transporta apenas informações. Nós pensamos em ir além. Enfim, esta é apenas uma das possíveis aplicações de Ìkaros.
Mark olhava para a máquina ainda impressionado. Talvez fosse possível dizer que nem mesmo havia escutado o que senhor Baker dissera, não fosse por sua fala:
- Teletransporte... como nos filmes e séries de ficção científica?
Sr. Baker soltou um curto riso espontâneo e completou:
- Na prática as coisas são um pouco diferentes de Hollywood, mas os objetivos são quase os mesmos.
Apesar de estar impressionado com a aparência da máquina, Mark não conseguia acreditar que ela fosse realmente capaz de teletransportar objetos. Essa história parecia ficcional demais, talvez até fosse o objetivo dos cientistas envolvidos, de qualquer forma, ele tinha suas dúvidas de que isso pudesse acontecer.
- Agora, Sr. McCarthy, infelizmente não poderei mostrar o resto das dependências para o senhor, tenho um compromisso inadiável. Mas faço questão de, numa próxima ocasião, lhe mostrar pessoalmente Íkaros e o resto de nossas instalações com mais tempo.
Mark deixou o CPTA relativamente contente. Pelo menos, aquele havia sido um dia diferente. Não agüentava mais aquela sensação de que seus dias se repetiam ao longo da semana, e de que as semanas se repetiam ao longo dos meses... E, também, finalmente, ao que tudo indicava, receberia um salário. E muito maior do que imaginara. Sempre teve a sensação de que nunca seria capaz de ganhar dinheiro, era um alívio perceber que aparentemente estava enganado. Não que quisesse comprar um monte de coisas igual à maioria das pessoas, mas sabia que seus pais deixariam de pegar no seu pé a partir do momento que ganhasse uma grana daquelas, sem falar que há meses queria comprar um amplificador novo para sua guitarra.
Colocou os fones nos ouvidos e iniciou o caminho de volta. A música realmente facilitava as coisas. As pessoas no metrô sempre o deixavam um pouco deprimido; aquele ar de cansaço parecia ser contagioso. Temia se tornar igual a elas, acabar num emprego normal que não gostasse; levar uma vida normal que não gostasse; assistir a um programa estúpido na TV antes de cair no sono. Temia já ser igual a elas.
Parou de pensar nisso. Começou a cantarolar junto com a música de seu mp3. Começou a pensar em Lisa, era estranho pensar nela. Queria que ela o tirasse daquela porcaria de cidade; ele faria o que fosse preciso para cuidar dela se tivesse uma chance. Nem ligaria se tivesse que aturar um trabalho idiota. Achava a coisa toda meio estúpida porque nem a conhecia de verdade, de qualquer forma, gostava dela. Gostava mesmo. Sabia que a maioria das pessoas não compreenderia, mas já não dava importância a isso; a maioria das pessoas não compreendia várias coisas. O que o deixava triste, era que, no fundo, sabia que aquele era só mais um dos seus sonhos que nunca se tornariam realidade, assim como ter uma banda de sucesso. Não que quisesse ter uma banda apenas para ganhar um monte de dinheiro ou ser famoso. Acontece que desde quando podia recordar era maluco por música, e achava que compunha bem, apesar de ninguém reconhecer isso. Vez ou outra, Derick dava o braço a torcer e dizia algo do tipo: “É... esse riff até que ficou legalzinho”; mas nada além disso. Também não tinha mostrado suas músicas para muitas pessoas. Uma vez tocou num festival do colégio. O pessoal não deu sinal de ter gostado nem de não ter. Uma meia dúzia de amigos disse que ele tinha se saído bem. De qualquer forma, o que realmente queria, era poder ganhar a vida com a música, sem precisar passar o dia todo trabalhando em algo que lhe parecesse deprimente. Pensava nessas coisas quando passou em frente a uma loja de pneus e se sentiu profundamente triste. Lembrava que, desde a infância, passava em frente àquela loja, e teve a impressão de que sempre acabaria passando por ali, que nunca sairia daquela porcaria de lugar. Sentiu vontade de chorar. Às vezes, sentia essas vontades repentinas de chorar, mas sempre acabava conseguindo controlar o choro.
Mal colocou o pé para dentro de casa, já foi abordado por sua mãe:
- Oi, filho, até que foi rápido.
- Faz umas cinco horas que saí de casa, mãe.
- Não exagera. Quer que eu prepare alguma coisa pra você comer?
- Não, estou sem fome.
Mark entrou em seu quarto e tirou o tênis e a blusa. Estava com calor pelo caminho de volta todo, mas preferia passar calor a ficar carregando a blusa. Sua mãe bateu na porta e entrou:
- Ligaram atrás de você.
- Derick?
Não que isso deixasse Mark muito feliz, mas, geralmente, apenas Derick ligava.
- Também. Ele pediu pra você ligar pra ele quando chegasse. E uma outra pessoa, voz de homem. Quando perguntei se queria deixar recado, caiu a ligação ou desligou.
- OK, outra hora ligo pra ele.
Quem seria essa outra pessoa, pensou Mark. Achou que deveria ser o pessoal do CPTA, talvez dizendo que não precisavam mais dele, que não seria mais contratado, ou... ou... não sabe por que, lembrou daquele sujeito estranho que lhe mandou um bilhete na lanchonete.
- Mas, e então, não vai me dizer como foi?
Ele sabia que sua mãe queria chegar nesse ponto desde o princípio. Estava esperando que ele se manifestasse espontaneamente, mas ele nunca se manifestava. O negócio já era quase um ritual.
- Então, parece que tenho chances de ser contratado, mas não ficou nada definido.
- Mark! Parabéns, meu filho! – disse sua mãe, lhe dando um abraço e um beijo.
- Calma, mãe. Eu só disse que tenho uma chance, só isso.
Mark não queria criar muitas expectativas em sua mãe, principalmente depois da tal ligação.
- Vai dar tudo certo sim, tenho certeza.
Pronto, já não tinha mais volta. Sua mãe já estava cheia de expectativas e ele cheio de pressão sobre si.
- Finalmente você vai poder pagar um curso de língua estrangeira e trocar de computador.
- Eu não quero fazer nenhum curso de língua estrangeira, mãe.
- Vou preparar algo para você comer – concluiu ela, ignorando-lhe a observação.
Mark conhecia sua mãe. Sabia que não adiantava dizer que não queria fazer curso algum, ou que não estava com fome. No final das contas, quase sempre acabava fazendo a vontade dela. Percebia que ela era um tanto insatisfeita com a vida que levava, apesar de tentar disfarçar isso. O filho era sua grande esperança e sua válvula de escape, algo do tipo, “tudo bem... comigo foi assim, mas com meu filho será diferente”. O problema é que este tipo de postura resultava em zelo e expectativa excessivos e, de vez em quando, Mark se sentia um pouco sufocado.
Estava esperando seu computador ligar, entraria no messenger para descobrir o que Derick queria; provavelmente queria que jogasse algum jogo online novo que havia descoberto, ou perguntar sobre a data de entrega de algum trabalho do colégio... Mark nunca sabia as datas de provas ou de entrega de trabalho, de qualquer forma, Derick sempre ligava perguntando. Os minutos que seu antigo computador levava para inicializar pareciam horas, e a espera já deixava Mark impaciente, quando o telefone tocou.
- Deixa que eu atendo! – gritou abrindo a porta de seu quarto. – Deve ser o Derick.
Atravessou a sala e tirou o telefone do gancho:
- Alô?
- Mark... Mark McCarthy? – disse uma voz grave, num tom próximo ao sussurro.
- Sim....
- Precisamos nos encontrar. Esta linha não é segura. Preste atenção, não confie no CPTA. Você precisa saber a verdade sobre o projeto Íka...
De repente, a linha ficou muda.
to gostando pra caralho da história!!
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