quinta-feira, 18 de março de 2010

I


- Mark... Mark McCarthy!

Alguns risinhos contidos ao fundo e a voz se destaca novamente, desta vez, mais alto:

- Mark McCarthy!

Mark estava galopando por uma planície de relva parelha, quando aquela voz rouca invadiu seu sonho. Seu forte cavalo negro, estilo inglês, empinou. Que voz era aquela?! Talvez um terrível inimigo de poderes sobrenaturais ou talvez algum tipo de oráculo... Alguns instantes gastos na transição entre sonho e realidade e Mark vê sua professora de química, a velha senhora Gardiner, com o semblante mais impessoal que se possa imaginar. Seus colegas ainda estão com aquele risinho nos lábios, no melhor estilo “mandou bem, babaca!”.

- Da próxima vez, não esqueça o despertador, Sr. McCarthy.

Mark se perguntava como seus colegas de classe podiam rir de tiradas como essa, mas, enfim, o fato é que podiam.

- Boa! Vou anotar essa.

- O que foi que disse, Sr. McCarthy?

- Nada, senhora Gardiner. Desculpe o transtorno.

Senhora Gardiner olhou para ele como se fosse dizer alguma coisa, mas, desistiu, dando a entender que não valia a pena. Seguiu fazendo a chamada com sua voz rouca e monótona.

- Valeu por me acordar, Derick. É bom saber que sempre posso contar com você.

- Qual é, Mark? Eu não tenho a obrigação de tomar conta de você... E a galera vive dizendo que sou seu puxa saco, por viver salvando tua pele.

- Salvando a minha pele? – disse Mark com uma voz sonolenta enquanto rabiscava algo em seu caderno.

- Sem ressentimentos, cara – disse Derick soltando um risinho irônico. – O que você está fazendo aí?

- Calculando minhas faltas em química... pra saber quantas ainda posso ter.

- Pra quê?

- Pra fazer uma droga de um pudim, Derick. Pra saber se eu posso cair fora. Dia de sorte, ainda posso ter seis faltas.

- Mas pra onde você vai, cara?

- Sei lá.... Qualquer lugar. Apesar de ser difícil de acreditar, existem alternativas melhores do que três aulas de química com a senhora Gardiner.

Mark guardou seu caderno, pôs a mochila nas costas e colocou um dos fones de seu mp3 player no ouvido.

- Droga! Também não estou nenhum pouco a fim de ficar nessa aula. Mas fiquei com vermelha em química bimestre passado, e se eu levar “bomba” meu pai me mata.

- Boa sorte, Derick.

- Ei, Mark, e quando a gente vai ensaiar, hein?

- Quando você tiver dedicação o suficiente pra aprender pelo menos três acordes; quando a gente tiver um baterista e quando você perceber que não vai aprender a tocar guitarra jogando Guitar Hero.

- Já sei, está revoltado porque perdeu feio ontem, né? Não esquenta, cara, com o tempo você pega as manhas.

- É, Derick – ironizou Mark. – É exatamente isso, você é tão esperto, não tem mesmo como te enganar. Agora, vou indo nessa... Até depois!

- Até, Mark! Vai treinando...

Mark passava em frente à mesa da senhora Gardiner quando ela o interrompeu:

- Aonde o senhor vai, senhor McCarthy? Eu gostaria de lembrá-lo que...

- A senhora marca as presenças a lápis – atravessou Mark –, caso algum “espertinho” queira sair antes do término das aulas. A senhora não começou a dar aulas ontem e etc... etc... etc. Eu não sou nenhum “espertinho”, senhora Gardiner, e não tenho nada pessoal contra a senhora. Sei que a senhora não vai entender, mas eu só estou... só estou... dando o fora.

- Não pense que isso vai ficar assim, senhor McCarthy! O senhor costumava ser um ótimo aluno, mas este seu atrevimento! Isso vai chegar aos ouvidos do...

Mark colocou o fone no outro ouvido e saiu da sala. O mundo ficava muito melhor com uma trilha sonora. Enquanto atravessava o corredor, teve a impressão de que um sujeito que não conhecia tinha olhado para ele como se tencionasse lhe dizer algo. Um tipo magro, alto, meia-idade, cabelo grisalho só na parte logo acima das orelhas, metido a importante. Caminhou na direção de Mark olhando-o fixamente, mas, por sorte, passou reto. Talvez fosse o pai de algum aluno, um professor novo, um sujeito que ia dar alguma palestra, um advogado aleatório, enfim, havia inúmeras possibilidades. O fato é que Mark não pararia a música para falar com ele. Estava cansado de sempre ter que parar a música para alguém lhe perguntar algo do tipo: “Você sabe onde é o laboratório?”; “Você sabe como faço pra ingressar no coral?”; “Você sabe me informar como faço pra falar com o professor Stewart?”.

Sempre foi péssimo para explicar direções; nunca participava de atividades extra-classe; e, quando muito, só decorava os nomes dos professores no final do ano. Ou seja, definitivamente, não pararia a música. Precisava arranjar um jeito de matar o tempo, e a melhor alternativa que encontrou foi comer alguma coisa. No entanto, havia um porém, o dinheiro. Na verdade, esse quase sempre era o porém. Conferiu a carteira, depois de contar as notas, abriu o compartimento das moedas e contou-as também. Deveria dar para pagar a passagem de metrô até o shopping e um hambúrguer simples, talvez desse também para um refrigerante pequeno. Geralmente comia esse hambúrguer e bebia um refrigerante pequeno, mas nunca decorava o preço. Se não desse para pagar o refrigerante, provavelmente sobraria para pagar a passagem de metrô até perto da sua casa; se também não desse, voltaria a pé. A bateria de seu mp3 estava carregada e, se estivesse ouvindo música, poderia caminhar uns 20 km sem nem perceber.

Quando estava em casa sem fazer nada ou no meio de uma aula, o shopping parecia legal, mas, quando estava nele, achava-o uma droga. Não sabia dizer direito por qual motivo as pessoas do shopping o irritavam. Talvez porque tivesse medo de concluir que era parecido com elas. Mas, tudo bem, se estava ouvindo música nem prestava muita atenção nas pessoas.

Foi até a lanchonete de fast food em que sempre comia, a que tinha o lanche mais barato, e pediu o que sempre pedia. Após um rápido cálculo mental, percebeu que seu dinheiro não daria para o refrigerante e nem para o metrô. Não deu importância a isso; não fazia questão de beber algo enquanto comia e, como não tinha nada para fazer em casa, quanto mais demorasse a voltar, melhor. Enquanto esperava seu lanche, acompanhava o ritmo da música que tocava em seu mp3 batendo com os dedos na mesa. De repente, notou algo que achou curioso. O mesmo sujeito que havia cruzado com ele no colégio estava sentado a umas 5 ou 6 mesas de distância a sua direita. Segurava uma xícara numa das mãos e um cardápio na outra, desviou o olhar rapidamente quando foi notado, mas Mark teve certeza de que ele o observava.

Mas o que o sujeito poderia querer com ele? Talvez o tivesse confundido com alguém, ou fosse algum assassino em série ou algum pervertido ou sabe-se lá o quê. Encontra-se de tudo nas grandes cidades hoje em dia. Mark ainda pensava no que fazer quando uma senhora carregando algumas bandejas vazias e vestindo o uniforme de uma das lanchonetes lhe entregou um bilhete.

- O senhor de terno ali da outra mesa pediu pra lhe entregar... Não sei o que tem escrito aí, mas tenha cuidado, menino. Cuidado nunca é demais...

- Obrigado _ respondeu Mark sem saber o que pensar.

O papel estava dobrado duas vezes e continha uma mensagem curta e vaga: Não confie neles!

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